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A 3ª Mostra Cine em Cena pelos olhos de um reincidente

Por Joadson Mulkannizzer*


Neste ano de 2017, o curso de Cinema e Audiovisual, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, nos concede o imenso prazer de vivenciarmos a tremenda magia do teatro em um festival denominado 3ª Mostra Cine em Cena, mostra pública de cenas de teatro, dirigidas pelos alunos da disciplina Direção de Atores, 6° semestre, que conta com um elenco formado por atores e não atores locais, tendo como diretora geral a Professora Adriana Amorim.

O espetáculo já nos cativa desde o momento inicial, quando nos adentramos ao Teatro Carlos Jehovah e já nos deparamos com uma menina deitada sobre uma mesa, coberta por um lençol. A obra Uma Adolescente Robô, de Bruno Motta e Daniel de Alves, que foi dirigida e adaptada pela estudante Emanuelle Menezes, é uma peça cômica, divertida e bem representada pelo elenco, formado por quatro atores que prendem a nossa atenção do início ao fim. Apresenta uma linguagem facilmente compreendida pelo público, retratando as loucuras de um jovem cientista, evolvendo o real e o imaginário, a vida e a fantasia. A peça abre com chave de ouro o Cine em Cena 2017.

Dando segmento às apresentações, temos uma bela jovem, sobre uma escada, que representa Julieta, do clássico de Shakespeare, Romeu e Julieta, em uma cena adaptada, Jardim Dos Capuletos, dirigida pela estudante Regiane Matos. Uma apresentação que não usou muitos objetos cênicos, mas que embelezou o que foi usado, enfeitando a escada com diversas flores. A obra se baseava em uma conversa entre Romeu e Julieta, onde podíamos ver Julieta, mas apenas ouvir Romeu, através de uma gravação. Em alguns momentos a gravação que representava os diálogos de Romeu demorava um pouco para surgir e deixava a atriz aguardando como se houvesse algum tipo de delay no som, mas, mesmo com os pequenos atrasos das falas, a cena não perdeu o encantamento.


Já na terceira apresentação, Sacrifício De Odin, uma adaptação do estudante Micael Aquillah para o texto de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, o que me chama a atenção inicialmente são os figurinos e desenhos feitos nos corpos dos atores, que por serem tão bem desenhados, me fizeram pensar “são tatuagens reais ou fictícias?”. E, sucessivamente, a atuação dos atores me leva a apreciar cada detalhe desta representação, pois, até mesmo através dos olhares, os atores atuavam e nos concediam palavras que não eram ditas pela boca, mas expressadas pelos olhares.



A quarta apresentação da noite, Quarto de Hotel, uma adaptação da estudante Eliana Souza, da obra Beijo no Asfalto, do texto de Nelson Rodrigues, foi uma das apresentações mais rápidas, porém, super objetiva. Apenas dois atores em cena, em um diálogo revelador que nos mostrava uma discussão entre genro e sogro. Em apenas alguns minutos, a trajetória mais parece uma montanha russa, nos levando às mais altas e baixas revelações.




Não Me Cegue, uma adaptação da estudante Marianne Vieira, da obra Não Me Cegue, de Marcus Di Bello, nos mostra o convívio de um casal aparentemente apaixonado e de uma moça enferma, que provavelmente vê na bebida a solução para seus problemas. A trama tem uma jogada bem interessante para a criação da cena, onde os atores vivem duas cenas distintas, a do casal e a da moça, e que são vividas simultaneamente, porém, quando uma cena está sendo representada, a outra permanece congelada. E se já não bastasse a jogada de cena na atuação dos atores, o figurino dos mesmos nos cativa, não por suas roupas completamente pretas, mas pelas faixas que cobriam os olhos de todos os atores em cena, dando a entender que a trama acontecia às cegas.


A penúltima cena apresentada foi Apenas Tua Mente Me Condena, uma adaptação do estudante Nathan Soares, da obra Mulher Sem Pecado, também de Nelson Rodrigues. Dentre todas as peças apresentadas neste primeiro dia, foi a que mais prendeu o meu olhar. Primeiramente pela atuação da atriz Anna Carolina Bastos, pois já acompanhei outros trabalhos dela como atriz e neste, especificadamente, ela demonstrou um avanço em sua carreira, fazendo uma bela apresentação em palco; o que não quer dizer que os outros dois atores não fizeram um bom trabalho, já que todos estavam adequadamente incorporados em seus personagens. Porém, o que mais me prendeu nessa cena, foi o final da mesma, quando algo dá errado na sonoplastia e podemos perceber uma certa tensão na cabine de som, transparecendo que algo não ocorreu conforme o planejado. Todavia, os atores que estavam em palco, provavelmente percebendo o imprevisto, dominam o momento e não saem de seus personagens em momento algum. O ator Luã Virgens, representando um cadeirante, neste momento tem uma carta em suas mãos, que deveria estar sendo “lida” através de uma gravação, para que o público tomasse conhecimento das palavras ali escritas. Enquanto o diretor e o sonoplasta tentam resolver o pequeno equívoco, meu olhar vai diretamente para a atriz Anna Carolina, que observa o ambiente, aguardando o momento para sair de cena, e para o ator Luã Virgens, que manuseia a carta em suas mãos, salvando esse momento da cena, não deixando, em momento algum, que o encantamento da cena se perdesse. O problema é resolvido de imediato e tudo é finalizado conforme esperado.


E para finalizar a noite, uma comédia adaptada pela estudante Miliane Vieira, cujo título era O Conflito, da obra Fim De Caso, de Aziz Bajur. Uma cena sem muitos objetos cênicos, mas com muitas risadas que preencheram todo o teatro. Inicialmente uma conversa entre duas personagens, sobre as relações casuais de uma delas, que por sinal é casada. Logo após, entra em cena a esposa desta personagem, enfurecida, e o que seria uma simples conversa, se torna uma discussão da relação de ambas. Poderia ser um simples diálogo, mas as atrizes dessa peça nos leva às risadas e gargalhadas em todos os momentos, durante o enredo trabalhado por elas e também quando há a quebra da quarta parede ao interagir com o público. Foi uma peça simples, bem elaborada e iluminada pela atuação das atrizes. E para finalizar, a atriz Arla Bruna, que fica sozinha no palco, levanta o copo de bebida para dizer a sua última fala, mas ao perceber a euforia dos aplausos do público, por pensar que a peça já havia sido finalizada, sutilmente abaixa o copo e deixa que o público entenda que a peça ali havia acabado; um belo ato de uma bela atriz. E sendo assim, a primeira noite da Mostra é finalizada nos deixando a vontade de voltar, mesmo em dias chuvosos, para acompanhar a segunda noite do evento.






E a segundo noite do Cine em Cena já se inicia com uma bela apresentação da obra de Jorge Andrade, A Moratória, adaptada pelo estudante Raphael Flores, denominada Amarga Ilusão, tendo apenas dois atores em cena. A cena é composta pela conversa entre pai e filha, que poderia ter se tornado uma cena cansativa, por não ter muitos movimentos corporais dos atores, mas a atuação de Priscila Amaral é tão marcante que faz tudo acontecer. O sofrimento e o cansaço estampados em sua face mais parecem uma realidade e não uma cena teatral.


A segunda cena, Castigo de Júpiter, uma adaptação da estudante Jisely Azevedo, da obra Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, traz uma composição interessante do drama que foi interpretado por dois rapazes, estando um deles acorrentado. O movimento das correntes, que batiam no chão, trazia uma essência para a cena, valorizando toda a obra representada. Porém, em determinado momento da peça, o ator Esdras Augusto Alves, em um movimento mais brusco, arranca as correntes que estavam presas em alguma parte do teatro, o que provavelmente não estava previsto. O ator, percebendo o ocorrido, continua sua apresentação como se as suas correntes ainda estivessem presas. Os dois atores prosseguem a cena e algo me chama atenção, pois, Esdras faz novos movimentos com os braços, para que as correntes continuem a bater no chão e não perder o encantamento da cena. Ambos finalizam a cena e não perdem, em momento algum, a encenação que foi perfeitamente finalizada.


Da tragédia gréga à magia da Disney, a Mostra Cine em Cena dá um salto quando Simba Se Lembra é anunciado. Uma obra adaptada pela estudante Nathália Batista, de O Rei Leão, de Linda Woolverton, Irene Mecchi e Jonathan Roberts. O macaco Rafiki e o pequeno leão Simba são interpretados por dois atores, provando que, independente da idade, a beleza dos grandes clássicos da Disney ainda existe em nossos corações. Mais que uma peça de teatro, um ensinamento, pois, por mais que fosse somente uma cena para um espetáculo, o diálogo que foi selecionado para encenação dos atores mostra uma lição de Rafiki, não somente para o personagem Simba, mas para todos que ali estavam.


A noite continua e logo podemos nos deparar com uma comédia infernal. Lampião e Satanás, que foi adaptado pela estudante Rossana Freitas, da obra Lampião Vai ao Inferno Buscar Maria Bonita, de Altimar Pimentel. A cena se inicia com uma conversa entre Satanás e Deus, onde Satanás era representado pelo ator Anderson Cleiton, enquanto Deus somente podia ser ouvido, através de uma gravação, que em alguns poucos momentos se tornava difícil de compreender, devido ao tom grave da voz que falava, mas que não acarretou problemas, já que o ator em cena dava vida ao diálogo. A cena segue e a comédia não se perde. Tudo está indo muito bem e, de repente, uma garota entra em cena para interpretar como Lampião, o que poderia ser estranho e um risco, por ser uma mulher fazendo um papel e um homem muito másculo e bruto. Mas, a atuação de Chiara Lúcia nos leva a crer que ela realmente é Lampião em todos os momentos. Os dois atores em cena compõe uma típica comédia que cativa a todo o público.


A Mostra quase chega ao final e a penúltima cena é apresentada, intitulada Dessa para Melhor, adaptada pela estudante Emmilly Oliveira, da obra Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Foi, sem dúvidas, a peça que mais fez o público rir. As gargalhadas eram tantas que em determinados momentos era preciso pedir o silêncio da plateia para que a peça pudesse continuar. Uma estratégia maravilhosa foi usada, quando a adaptação da obra usa as linhas de ônibus coletivos de Vitória da Conquista para compor as falas dos personagens, representando os destinos das Barcas. E por falar em barcas, acho muito interessantes peças de teatro como essa, onde não temos a barca ali apresentada, mas os atores nos levam a criar em nossas mentes e figurar as barcas nas quais eles estão. A encenação dos atores, o figurino, a composição. Foi simplesmente magnífico.


E para finalizar, não somente à noite, mas a 3ª Mostra Cine em Cena, temos a obra escrita e dirigida pelo estudante Mateus Costa, Quando o Sol Bate na Janela de Marinete. Um roteiro claro e objetivo. Forte e marcante. Quatro atores em cena, um rapaz e três moças que não usam objetos, mas se tornam os objetos. Um jogo de cena coreografado dá vida à obra. As interpretações dos atores valorizam os personagens. E os figurinos completamente pretos demarcam o drama que ali estava sendo encenado.




O espetáculo chega ao fim e percebo que o nível do Cine em Cena tem aumentado com o passar dos anos. As cenas, as adaptações dramatúrgicas, as encenações, os objetos de cena, tudo. Simplesmente podemos perceber um grande evento teatral que tem ganhado um grande espaço na cidade de Vitória da Conquista. Parabenizo o Curso de Cinema e Audiovisual (UESB) e em especial a Professora Adriana Amorim, pelo belo espetáculo apresentado, que nos deixa com um gostinho de querer mais. E, sendo assim, espero ansiosamente pela 4ª edição.



FICHA TÉCNICA:





*Joadson Mulkannizzer é Bacharel em Cinema e Audiovisual pela UESB e participou da primeira edição do Cine em Cena, em 2015. Neste ano veio de Brumado exclusivamente para acompanhar a 3ª Edição do Projeto.


Gostou? Confira alguns detalhes de como foi a segunda edição do Cine em Cena, em 2016.


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